“Conheci as minhas filhas mais cedo” – Testemunho de uma mãe de gémeos
Hoje, o post é um bocadinho diferente do habitual.
Hoje, deixo um testemunho de uma mãe de 2 gémeas prematuras. Conheci a D. e o A. por questões profissionais mas fomos mantendo o contacto. Passados uns meses tivemos um encontro inesperado no workshop de fotografia da Isabel Saldanha 🙂 e uns meses depois recebo a notícia de que estavam à espera de 2 meninas. Fui acompanhando as novidades da gravidez e um dia soube que as bebés tinham “decidido” nascer mais cedo (bastante mais cedo) com 25 semanas e 2 dias (quase 6 meses). Nasceram com 741gr e 680gr.
A D. foi enviado notícias pelo e-mail a relatar a evolução das bebés. Ia cruzando os dedos com muita força para que tudo corresse bem. Perguntei-lhe se não se importavam que eu publicasse no blog parte do último e-mail que enviaram. Foi um e-mail escrito para a família e amigos e que me emocionou bastante. Não consigo imaginar o que será passar por tal experiência e o objectivo desta partilha não é de todo deixar a “malta” triste, cabisbaixa… pelo contrário. É mostrar que temos de agradecer todos os dias pela vida que temos e desvalorizar determinadas situações, que nos desgastam e que nos fazem perder noção do que é que “andamos aqui a fazer”. É mostrar, a quem está em situação semelhante, que existe esperança para um final feliz.
Um grande xi-coração para a D. o A. e as suas meninas (que espero um dia visitar). São sem dúvida umas lutadoras.
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Depois de 109 dias de uma viagem cheia de muitos sustos, de muita dor, de muito choro, de muitas noites sem dormir, de muitos dias de angústia e de muitos medos, mas também de muito amor, de muita coragem e de muita Fé, estamos os 4 em casa:):):)
Ao fim de 109 dias levei as minhas filhas para casa de lágrimas no rosto e de coração apertado mas feliz, muito feliz. Sonhei tanto com este dia! Imaginei-o todas as noites quando custava tanto adormecer, quando acordava e sentia um medo e uma ansiedade por não saber como elas estavam, quando ia no caminho de casa-hospital e vice versa, este caminho que parecia não ter fim e que durante muito tempo não conheci outro (acho que até o carro ficou viciado), quando recebia uma má noticia delas, quando olhava para elas, quando olhava para o meu marido, quando fechava os olhos… Sempre acreditei, este sonho dava-me forças para continuar a acreditar e a lutar com elas e por elas. Via-me a mulher mais feliz do mundo, de mãos dadas com o meu marido, levávamos os ovinhos cheios de alegria e de orgulho, como tantas e tantas vezes vimos pais com esse brilho no olhar e alegria no coração; tinha o melhor e maior sorriso do mundo, abraçava todas as pessoas do serviço que juntamente com as nossas meninas e outros bebes e todos os super pais que se cruzaram connosco, foram e são uns super heróis! E chorava… Um choro de alegria, de agradecimento e por, finalmente, o medo dar lugar à felicidade pura! Dizia ao ouvido das minhas filhas “filhas o nosso sonho vai tornar-se realidade, hoje vamos para casa!” e elas sorriam como tanta vez o fizeram quando lhes falava e lhes tocava através da incubadora. Fechávamos a porta do serviço e não olhávamos para trás mas sim uns para os outros, dava um beijo ao meu marido e respirava fundo, chegávamos ao carro e ao som de 93 million miles íamos para casa. Durante o caminho chorava de alegria e aquela sim era a viagem hospital-casa mais desejada e feliz. Chegávamos a casa (que estava toda arrumadinha para as nossas princesas) e finalmente colocava as minhas meninas juntas (pois estiveram sempre separadas durante os 109 dias) e esse sim seria o culminar de um dos melhores dias da minha vida… E não é que foi mesmo isto que vivi no dia 27 de Junho de 2014 Vale a pena sonhar e acreditar.
Olho para trás e vejo que não cheguei a viver um terceiro trimestre de gravidez, não tive um chá de bebe, não tinha a mala da maternidade feita, nem o quarto pronto, não fiz um curso de preparação para o parto e não tive um parto tranquilo, não pude conhecer as minhas filhas no dia que nasceram (foi o André que me apresentou as minhas filhas por fotografia e no dia seguinte pessoalmente), não tive visitas nem elas, não tive dores pós parto (pois tinha outras dores maiores), não tive aquela sensação mágica de tanta felicidade que a maioria das mães refere quando nascem os filhos, mas sim um medo enorme de as perder (o pior medo de todas as mães, mas apesar desse medo, sempre acreditei nelas mesmo quando os médicos diziam o contrario). Não pude abraçar as minhas filhas (só ao fim de 26 dias), não era mãe a tempo inteiro, apenas umas horas (e isto doía tanto), tocava nelas apenas quando permitiam, cantava para elas sempre que podia, tirava leite pela bomba numa sala com outras mães à qual chamava sala de partilha da dor, pois ali éramos um pouco mães de todos. Tive duas mastites mas mesmo assim continuei a tirar leite (para o bem delas fazia qualquer coisa). E no fim do dia, regressava a casa, com uma dor horrorosa, uma sensação de vazio, de medo, de angustia, de não querer estar longe delas. Mas ao mesmo tempo sabia que tinha de descansar para estar bem perto delas. Chegava a casa tão triste, sem elas. Olhava para os berços e não as via, olhava para a barriga e não as sentia, e recordava tudo o que aconteceu novamente, e rezava para conseguir dormir, tinha a sensação que estava a viver um sonho e que nunca mais acordava. Tinha pânico que o telefone tocasse, não conseguia ligar para o serviço (pedia sempre ao André), não queria chorar perto delas mas também não queria deixa-las quando elas não estavam bem. Mas às vezes bastava olhar para elas para saber se estavam bem ou não. Tantas vezes me senti a desmaiar, sem força com vontade de desaparecer. Obrigada André por me teres amparado quando estava a cair. Obrigada Joana pelos lencinhos de papel e pelas tuas palavras nesses momentos. Queria tanto ser eu a ter aqueles tubos, a respirar pelo ventilador, a ser picada de hora a hora. Sentia-me tão triste tão impotente, ninguém nos prepara ou nos ajuda a lidar com o sofrimento dos filhos. Vivi dias deste sofrimento horroroso mas também vivi dias maravilhosos.
Conheci as minhas filhas mais cedo, tinham 684gr e outra 741gr (meio kg de gente) ainda não sabiam respirar, tinham os olhos fechados, orelhas mal definidas, pele vermelha (nem sei se podemos chamar pele), tinham uma mini fralda (nunca imaginei que existisse fraldas tão pequeninas), estavam rodeadas de tubos e eram picadas e aspiradas de hora a hora, mexiam muito os bracinhos e as pernas. Vi o primeiro olhar das minhas filhas e o primeiro sorriso (e foi a melhor coisa que vi na vida alem delas), o choro só conheci ao fim de 26 dias quando tiraram o ventilador. Um xixi, um coco, tudo era uma vitoria, e coisas tão banais para a maioria dos bebes, para nós eram como ganhar o euromilhoes era tudo muito lento mas tudo mágico, como o meu marido diz: “é como estarmos sentados num banco do jardim a ver a relva a crescer”, mas apesar de todos os tubos e de estarem a viver numa caixinha mágica (como eu lhe chamo) estavam rodeadas de tanto mas tanto amor, e o amor cura tudo e curou as nossas princesas!!!
Como nos disseram nos primeiros dias é um dia de cada vez, e foi mesmo assim, uns dias bons outros menos bons, depois novamente bons e novamente outros menos bons, foi uma montanha russa de emoções durante estes 109 dias. Era mesmo assim, mas valeu tanto a pena:)
Conheci tantas pessoas que me tocaram, que vão ficar para sempre no meu coração e a quem estou eternamente agradecida. A toda a equipa da neonatologia do HSFX que salvaram as minhas meninas e pelos mimos que me deram sempre, não tenho palavras para lhes agradecer; a todas as super mães e super pais que lutaram na mesma dor, às minhas filhas e a todos os bebes que conheci, os que viveram e os que infelizmente partiram obrigada por tudo o que me ensinaram e por me terem tornado numa pessoa melhor.
A Deus por me ter feito ver que a fé, a esperança e o Amor são os melhores remédios do mundo. Obrigada por não me teres deixado sem forças.
À família e amigos que nem sempre tive tempo para eles, mas que rezaram tanto pelas minhas princesas.
Ao amor da minha vida que fez destes dias menos dolorosos, que partilhou a mesma dor e que acreditou sempre comigo e me fez sorrir mesmo quando o coração pedia para chorar. Obrigada André (estou tão orgulhosa de ti).
Por último, obrigada filhas (que são o melhor de mim e do pai) pela vossa coragem, força, amor, sorrisos (mesmo quando estavam tão mal), pelo vosso olhar mágico e pelos vossos gestos que transmitiam tanto e tanto, obrigada por me ensinarem o amor mais poderoso do mundo:)
Obrigada
Débora
PS – Acho que me esqueci de muita coisa mas quando conseguir olhar para trás de uma outra forma, sem tanto medo, sem tanta angustia, vou escrever a história desta grande viagem a 4.
10 Comments
Lindo! Obrigada pela partilha e felicidades para estes pais e princesas.
Impossível nao deixar as lagrimas caírem ao ler as tuas palavras , palavras em que me revejo uma a uma , infelizmente não pude trazer comigo para casa os meus dois amores, mas não me sinto menos mãe de gémeos por isso, a diferença é que tive de aprender a ser mãe de anjo também….. e como é difícil, agradeço a deus todos os dias por ter a Matilde comigo, mas não te amarei menos a ti meu anjo, estás sempre no meu coração e no meu pensamento José , e sei que um dia a mãe te vai poder dar todos a mimos que até agra não pude 🙁
Texto brilhante!!! Felizmente não vivi estes momentos tão dolorosos, mas tive em comum vir do caminho hospital – casa sempre a chorar!! Felicidade imensa, alegria inexplicável, mas ao mesmo tempo esse medo gigante de perder, de não ser capaz e sobretudo de falhar. Mas os dias vai passando, os bebês crescendo e tudo, tudo é maravilhoso!!!!! Eu também agradeço todos os dias a minha bebé e o quanto somos mais felizes com ela. 🙂 6 meses maravilhosos
🙂 . Ainda bem que correu tudo bem. Bjs
🙁 . Bjs grandes !
🙂 Obrigada pela mensagem. Nunca pensei que houvesse tantas pessoas a "vibrarem" com este testemunho.
Os pais são sem dúvida especiais e corajosos.
A mãe de gemeos vai buscar forças onde nunca pensaria arranjar, também eu fui mãe de gémeas prematuras, as minhas nasceram com 33 semanas e uma delas (a que tinha 1.400kg) esteve internada 1 mês com várias infeções que não sabiam a origem e a perder peso…foi o pior, mas mesmo o pior mês da minha vida (nem quero imaginar com 109 dias e a dobrar!!)
4 Bjos muito grandes para todos e muitas Felicidades!
Bem-vindas sejam a casa e agora unidos mais de que nunca 🙂
Todas estas palavras também as senti (sou mamã de uma guerreira que nasceu de 24 semanas e 3 dias e que hoje tem 4 anos maravilhosos) São momentos de grande dor, mas cheios de esperança e o regresso a casa é como nascêssemos de novo, nova vida, novas batalhas… O amor e a união deixa-nos mais fortes, vence e por estes guerreiros TUDO!!! Um abraço apertado e muitas alegrias pela vida fora
É mesmo! E ainda bem que correu tudo bem com os seus babies 🙂 .
🙂